Ágatha estava sentada na varanda, buscando alívio durante aquele verão quente e seco. Ela observava o vasto horizonte do Mediterrâneo, elevando seus pensamentos ao céu em busca de proteção. Já passava das 19 horas e o ritual de orações estava prestes a começar. Com os olhos voltados para o céu, ela buscava um sinal, uma inspiração. Sentia-se inquieta, o dia não tinha sido bom. Suas atividades de atendimento a deixaram exaurida, e agora ela se recolhia para recuperar suas forças. Sua morada era modesta, seguindo o estilo característico da região grega onde vivia. O branco marmóreo das casas se misturava harmoniosamente. A vida de Ágatha era dedicada ao estudo dos astros, dos números, das runas e das cartas. Dominava diversos idiomas e também tinha um conhecimento profundo das línguas árabes. Seu vestuário refletia o misticismo que permeava sua vida. Vestidos longos e elegantes, uma descendente das Melissas, as sacerdotisas de Deméter, a deusa da agricultura e da colheita, protetora do casamento e da lei sagrada. Apesar da era moderna, Ágatha carregava os segredos ancestrais, atendendo a todos com suas poções e rituais místicos, mesmo com sua idade avançada. Sua casa estava sempre repleta de amigos, escolhidos com sabedoria, baseada em afinidades e compromissos mútuos. Seus parentes mais próximos residiam no Brasil, e a distância geográfica a entristecia, embora não a deprimisse. Se pudesse, mudaria essa imutável distância.
Após concluir o ritual de orações, Ágatha deitou-se e logo adormeceu. Na manhã seguinte, levantou-se para preparar o café, trazendo um hábito de suas raízes brasileiras. Sentia algo estranho pairando sobre ela, mas não conseguia identificar o sentimento. Percebia que algo estava prestes a acontecer. Decidiu não receber visitantes nos próximos dias, focando-se em sintonizar suas energias para perceber os presságios que o futuro guardava. Cancelou todos os compromissos em sua agenda, inclusive a consulta agendada com um alto funcionário do governo turco para o dia 15 de novembro. Ela fechou portas e janelas, imergindo-se em sua prática espiritual e introspectiva. Preparou a mesa para seus rituais, invocando os deuses para orientação.
Apesar do clima quente e seco do verão, nesse momento começou a chover. Para Ágatha, a chuva sempre era um bom presságio. Como descendente das Melissas, considerava a chuva como contas de oração. Seu coração serenou enquanto ouvia apenas sua própria respiração. Enquanto isso, o telefone tocava insistentemente, mas ela não percebia, imersa em outra dimensão. Após algumas horas, ela voltou à realidade e retomou sua rotina. Mais tarde, ela tentou ligar para sua prima Sofia no Brasil, porém, não obteve resposta. Sentiu que caminhar à beira do Mediterrâneo poderia acalmar seu espírito. A ligação profunda que ela tinha com a água, o elemento mar e montanha dominante na paisagem grega, sempre a revitalizava e lhe trazia conforto. Suas atividades junto ao mar a conectavam com a deusa Deméter e seus mistérios.
Enquanto caminhava na areia branca da praia, meditava em busca de uma intuição. As ondas lhe transmitiam energias e correntes emocionais. Ela fixou o olhar no horizonte, esperando encontrar a paz que tanto ansiava. As ondas agitadas, sem calmaria, pareciam responder à sua busca, como se dissessem: "A paz que procuras reside dentro de ti mesma."
De repente, um pensamento questionador ecoou em sua mente, guiando-a para a resposta que buscava: "Se não tens raízes, qual é o valor da vida?" Ágatha se questionou sobre o significado dessa frase. Suas raízes estavam no Brasil, e a inquietação cresceu. Seria algo relacionado a sua família? Uma enxurrada de perguntas inundou sua mente. Decidiu retornar à casa de Sofia para tentar falar com ela novamente. Contudo, antes de partir, lembrou-se de sua prática de anotar insights súbitos. Pegou seu livro de "Máximas Iluminadas" e abriu em uma página aleatória, encontrando a resposta que buscava: "Teu papel é compreender e dar sentido aos mundos, viajar é uma jornada." Essa mensagem a iluminou, uma ordem que ressoava profundamente, guiando-a a uma decisão. Ela sabia o que deveria fazer. Fechou o livro e começou a ligar para seus amigos, avisando-os sobre sua viagem.
Com seus contatos e documentação em dia, incluindo as vacinas necessárias, marcar a viagem para o dia seguinte foi tranquilo. Ágatha escolheu um cruzeiro que retornaria ao Brasil, partindo às 14 horas. Ela preferia viajar de navio, relembrando as tradições marítimas gregas e permitindo tempo para reflexões. Apesar da tristeza de deixar a Grécia em meio a uma greve geral e protestos massivos, ela tinha certeza de sua decisão. Ela arrumou suas malas, optando pelo essencial, pois o navio faria uma parada no Norte da África, e ela estava ansiosa para explorar os bazares turcos e as casbahs em busca de um souvenir especial. Lembrava-se da última viagem com seu falecido segundo esposo, Aristides, quando comprou um anel de ágata para Sofia. Agora, finalmente, teria a chance de entregar o presente.
Ao colocar o anel na bagagem, Ágatha se sentou à escrivaninha e escreveu uma dedicatória para Sofia: "Para minha querida prima, que este anel de ágata possa trazer proteção, felicidade e sorte."
Naquele momento, as memórias de seu esposo Aristides emergiram, ecoando suas palavras sussurradas durante a compra do anel: "Querida, entre os árabes, as ágatas estão entre as pedras preciosas, e quem possuir um anel estará protegido contra vários infortúnios, colhendo muitos benefícios." Ágatha já havia lido sobre isso, mas concordou com um lindo sorriso. Aristides era geólogo e trabalhava em uma multinacional americana que tinha filiais na Austrália. Esse emprego os brindou com constantes viagens e residências em diversos países. No entanto, uma viagem à Austrália, a serviço, culminou em uma tragédia - Aristides faleceu em um acidente de carro. Diante dessa perda súbita e angustiante, Ágatha se viu confrontada por circunstâncias inesperadas. Refugiou-se no Brasil por anos até finalmente retornar à Grécia. Lá, concluiu seus estudos em Artes Antigas e doutorou-se em Literatura Francesa.
Antes de seu casamento com Aristides, Ágatha compartilhou dez anos de casamento com John. John era um americano que frequentemente viajava ao Brasil a negócios. Em uma dessas visitas, estabeleceu uma amizade com o pai de Ágatha, culminando em uma paixão pela filha do casal. Ágatha, que já conhecia os sentimentos de Aristides por ela, mas não compartilhava o mesmo fervor, aceitou a proposta de John para casar-se no Brasil e mudar-se para os Estados Unidos. A família não colocou objeções. Poucos meses após, eles se casaram e nos Estados Unidos, Ágatha pôde estudar Astronomia, graduar-se com distinção e logo assumir a edição de uma revista científica renomada. Apesar do casamento, Ágatha recusou-se a ser mãe, apesar da insistência de John. No entanto, a morte de John em um acidente aéreo, enquanto retornava da Inglaterra, pôs um fim trágico a essa fase de sua vida.
Ágatha tomou uma decisão rápida após a morte de John, desvinculando-se de todos os laços nos Estados Unidos e retornando ao Brasil. Enquanto Aristides estava de férias, ele tomou a iniciativa de consolar sua amada, dando início a uma relação que sempre havia sido apoiada por profundos sentimentos. Dois anos mais tarde, eles se casaram. No dia da cerimônia, Aristides personificava a esperança de alguém que soubera esperar, lutar com determinação e, sem armas, conquistar o amor de sua vida. Ágatha, finalmente, terminou de organizar suas malas para a viagem, restando apenas as despedidas de alguns amigos e avisá-los sobre sua partida. Ligou para todos, redigiu e-mails. Finalmente, estava tudo preparado.
Por fim, Ágatha pegou o livro, o presente mais significativo, e o envolveu cuidadosamente em lenços de seda, como se protegesse um tesouro raro. Esse livro estava destinado ao primeiro filho ou filha de Sofia. Portanto, não poderia ser esquecido.
Quando a aurora se fez na Grécia, Ágatha finalmente se preparava para viajar. Chamou um táxi e dirigiu-se ao porto, onde embarcou no cruzeiro. Em sua cabine luxuosa, ansiava pelo sol que lançava raios luminosos sobre o manto azul do mar. Com seus objetos pessoais em mãos, procurou um canto tranquilo para suas anotações costumeiras. Mal havia começado quando o sol tocou seu rosto, mas sua contemplação foi interrompida por uma discussão de um casal. O companheiro da mulher passou por Ágatha murmurando que as pessoas ainda insistiam em comparar mulheres a flores. Aquela observação, feita em meio a uma discussão desagradável, trouxe à mente um poema favorito daquele a quem ela chamava de "meu poeta amado".
Ágatha tinha conhecido os textos desse autor por meio de Aristides. Certo dia, ele lhe deu de presente um livro de poesias, dedicando a ela o poema "Tu" de todo o coração, refletindo a jornada deles como se a poesia abrigasse seus sentimentos iniciais. Ela se tornara amiga desse poeta em um festival de poesias em Açores, compartilhando confidências e colaborando em projetos. Desde então, passou a chamá-lo de "meu poeta amado".
Vinte dias após o início da viagem, o navio aproximava-se do porto de Santos, onde Ágatha reencontraria Sofia. Ao desembarcar, avistou Sofia ostentando um grande barrigão. Sofia veio a seu encontro sorrindo, como sempre fazia.
"Conte-me as novidades, Sofia", pediu Ágatha.
Sofia, incerta sobre como sua prima reagiria, falou lentamente:
"Ágatha, nossa prima Agnes, esposa de Frederico, faleceu durante a sua viagem. Não entrei em contato porque não queria causar-lhe sofrimento. Sei o quanto amava Agnes."
Ágatha permaneceu em silêncio durante todo o trajeto. Ao chegar à casa de Sofia, questionou sobre Frederico.
Sofia não teve a chance de responder, pois, naquele exato momento, Frederico entrou pela porta da sala. Ele caminhou em direção a Ágatha e a abraçou fortemente. De repente, um impulso de coragem tomou conta dela, e ela disse: _ eu te amo! Um silêncio absoluto dominou o ambiente, e o mundo pareceu pausar por um instante. Retomando o fôlego, Frederico sussurrou: _ eu sempre te amei. E então, seus lábios se uniram, concretizando os sonhos de beijos que haviam sido tão ansiosamente aguardados.
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