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Anori e Narai tecendo a eternidade: um conto de vida, amor e fraternidade.


O lugar era mágico. Com certeza havia algo de misterioso e maravilhoso na atmosfera. Inegavelmente, um quê de enigma e deslumbramento permeava o ambiente. Seja pela simplicidade das coisas, ou pelas pessoas que ali viviam. O lugar era impregnado de vida, de valores ancestrais, de tradições, de encantamento causado pela realidade e verdades íntimas de seus habitantes singulares. Ambos, ambiente e pessoas, formavam um uníssono harmônico de sonhos e perspectivas que resultavam numa melodia de bondade e felicidades. A simbiose entre o entorno e as pessoas resultava em uma harmonia sinfônica de aspirações e vislumbres, tecendo uma melodia composta de benevolência e alegria. Ao gosto da vida que se apresentava a cada original manhã, unia-se a esperança e a amabilidade, sentimentos que eram aperfeiçoados no dia-a-dia. Nesse recanto mágico o ar pulsava mistérios e maravilhas. Vida, valores, tradições, e encantos costuravam essa realidade. Perspectivas entrelaçadas em melodias de afeto e luz. Era como se as árvores e as brisas sussurrassem segredos antigos, e cada pedra no caminho guardasse uma história ancestral. O cotidiano seguia como uma sinfonia bem afinada, onde as pessoas, como instrumentos diversos, contribuíam para essa melodia complexa e bela que ecoava em cada canto. Com o romper de cada aurora, a vida e a esperança abraçavam-se em comunhão. E ao despontar de cada nova manhã, a vida e a esperança se entrelaçavam em um abraço terno. O nascer do sol era como uma bênção dourada que acariciava a terra, renovando as promessas de um novo começo. As luzes da aurora dançavam nos olhos das pessoas, refletindo a crença inabalável em dias melhores e horizontes inexplorados. E as pessoas, ah, essas eram as verdadeiras joias daquele lugar. Cada uma com sua história, seus sonhos, seus anseios. Eram como personagens de um épico em constante evolução, com suas alegrias e tristezas, suas lutas e conquistas. Em suas faces, podia-se ler o livro da vida, com suas páginas de experiência e sabedoria. Cada indivíduo era uma nota na partitura da humanidade, contribuindo para a harmonia que envolvia aquele refúgio único. Assim, nesse cenário de encanto e resiliência, o tecido da vida era entrelaçado. O mundo transcendente e o mundo terreno se entrelaçavam, como um conto mágico escrito por uma pluma divina. Cada amanhecer era um convite para explorar os segredos do universo e as profundezas do próprio coração. E enquanto o tempo seguia seu curso, a melodia persistia, sempre transformando, sempre evoluindo, sempre costurando novos momentos de afeto, luz e harmonia.

À entrada, erguia-se a residência preeminente, destacando-se grandiosa. Atraindo inevitavelmente os olhares, sobressaía em proeminência. A janela se debruçava sobre a via central da urbe, permitindo vislumbrar somente uma parte da vida que pululava por trás daqueles muros. Os que transitavam pelo caminho não captavam os sussurros dos habitantes, os soluços dos infantes, os latidos dos caninos ou mesmo o alvoroço aviário no pomar. As cenas diárias se desdobravam como se imortalizadas por hábeis pinceladas, a exigir dos mestres pintores as tintas mais vívidas e reluzentes. O cinza não encontraria espaço ali, em que tudo se revestia de matizes resplandecentes. Atravessava-se a entrada umbral através de um corredor estreito, onde musgos e trepadeiras haviam conquistado território, sem que ousassem ser desalojados. O verde pulsava nas paredes de tijolos envelhecidos, insuflando-lhes nova vida.

Nos aposentos vastos e nas paredes que se elevavam em altura, a ilusão de grandeza se estabelecia. Em suas amplitudes repousava a sensação do infinito de sonhos, um abismo no qual os habitantes depositavam os tesouros de suas vidas. Muitos deles, ainda na infância, carregavam o peso de uma jornada a percorrer, uma estrada que se estendia ao longe. No recanto da cozinha, o fogão a lenha ocupava um canto, um relicário de onde emanavam iguarias de sabores indeléveis. O calor que se irradiava do fogo tinha o poder de aconchegar até os âmagos mais frios. O café matinal se anunciava aos residentes por meio de seu aroma característico, um perfume que se desdobrava pelas redondezas, um chamado gentil para se prepararem para o encontro costumeiro. Tornava-se um ritual, um dos mais gratificantes dentre as rotinas que povoavam aquele espaço.

Em breve, a cozinha se transformava em um turbilhão de vozes, cada uma correndo mais rápido que a outra, enquanto compartilhavam os episódios do dia que passou e profetizavam o dia recém-nascido. Os quadros de santos pendurados na parede testemunhavam uma devoção fervorosa, uma crença que moldava as vidas ali. Mesmo que a variedade de santos escapasse à compreensão de muitos, cada um tinha sua utilidade em momentos específicos. Dispostos na parede em uma ordem alfabética meticulosa, buscava-se evitar que qualquer um fosse elevado acima dos outros em importância.

A matriarca da casa, enfeitada com sete décadas de vivências, irradiava vitalidade. Os fios de cabelo prateado e a voz suave e gentil compunham um arranjo que acalmava até mesmo os corações mais agitados. Conselheira compassiva, sua sabedoria atraía uma corrente constante de buscadores, cada um desejando uma orientação ou conselho. Com um coração generoso, ela abraçava a todos com uma bondade sem fim.

As crianças, conscientes dessa benevolência, se deleitavam com a generosidade, se deliciando com os doces que pareciam multiplicar-se sem cessar nas compotas alinhadas sobre o armário. A visão daqueles doces provocava um brilho de desejo e anseio nos olhos dos observadores, alimentando tanto a fome quanto a imaginação.

A entrada da cozinha desvelava um vasto pátio de terra batida, onde ao fundo estendia-se um bosque de bambus e um riacho límpido. A horta, cuidada com esmero coletivo, revelava uma profusão de vegetais, folhagens e ervas destinadas a infusões e temperos. Estes últimos desprendiam no ar o aroma que era exclusivo da tranquilidade que pairava sobre o recinto, criando uma invocação ao aconchego. E ali, sob a abóbada das folhas generosas, uma laranjeira majestosa erguia-se, presenteando anualmente a todos com seus frutos dourados. Num de seus ramos robustos, embalado pela sombra benevolente das folhas, pendia o balanço, o brinquedo predileto das horas despreocupadas.

As flores se revelavam com sua linguagem própria, uma ode diária aos habitantes. O ramalhete de sinos campestres embelezava a mesa do matinal banquete. A alfazema, guardiã perfumada, impregnava as gavetas que guardavam os trajes. As margaridas, preferência inconteste das crianças, eram colhidas com fervor infantil. No meio da miríade floral, os girassóis erguiam-se altivos no jardim, traçando a jornada do sol de oriente a ocidente. As plantas ricas, por si sós, se tornavam uma sinfonia que atraía os pássaros, e, sobretudo, os beija-flores, que ziguezagueavam de pétala em pétala, um espetáculo de néctar e asas. A grevílea anã, arbusto que se vestia de árvore, exibia sua inflorescência vermelha, uma oferenda que atraía os pequenos bebedores de néctar.

Dentre todos os acontecimentos que animavam o quintal, o ápice de sublimidade ocorreu no dia em que os bichos invadiram os canteiros de couve. Para as crianças, foi um marco singular, um evento inaudito. Nunca poderiam ter imaginado que os vegetais pudessem ser tomados de assalto por tal multidão. A notícia se espalhou como corisco para alertar os demais, e as crianças saíram em disparada, como cabritos enlouquecidos, para dar o alarme.

Naquelas paragens, também encontrava abrigo uma parteira cuja demanda na cidade era insaciável, e sua presença tingia o entorno com um misticismo ainda mais denso. Para as crianças, ela personificava a própria cegonha, mensageira dos recém-chegados ao mundo. O choro da infância recém-desperta trazia consigo a promessa da vida, uma vida banhada pelos raios do sol ou acariciada pela luz prateada da lua, ambas como brisas serenas destinadas a tranquilizar os corações ansiosos das mães. E assim, a existência se renovava, dia após dia, sob os auspícios do sol e da lua, produtos de um mesmo construto.

As noites de parto eram permeadas por um silêncio solene, rompido somente pelo murmúrio das estrelas e pelo farfalhar das folhas ao vento. Era como se o próprio universo prestasse homenagem a esse momento transcendental. A parteira, com suas mãos sábias e seu olhar compassivo, conduzia mães e filhos por essa jornada de transição, tecendo um elo indelével entre o passado e o futuro.

A comunidade olhava para ela não apenas como uma parteira, mas como uma guardiã das portas da vida, alguém que entrelaçava o sagrado e o profano, o mistério e a realidade. Cada nascimento era uma história que se somava à trama intricada da vida naquelas terras, e a parteira, com sua presença serena, aprofundava o senso de maravilha que permeava aquele lugar.

E assim, entre o sol que abraçava o dia e a lua que tecia os sonhos noturnos, a parteira e o ritmo da existência continuavam entrelaçados, como fios de uma tapeçaria cósmica, lembrando a todos que a vida, com sua imensidão de momentos, seguia em frente, sempre renovada, sempre enigmática.

Foi neste cenário mágico que as crianças Anori e Narai floresceram, como duas joias raras lapidadas pela vida. Anori, o caçula, erguia-se altivo, com uma tez beijada pelo sol, cabelos lisos que pareciam beber a luz, e um semblante sereno que denotava uma sabedoria além de seus anos. Enquanto isso, Narai ostentava uma pele alva, cachos rebeldes que se entrelaçavam como rios dourados, e um sorriso radiante que desenhava um rastro luminoso por onde passava. Juntos, os dois irmãos eram uma sinfonia de dualidades harmoniosas, uma dança de opostos que se atraíam em um eterno abraço. Nunca se viu irmãos tão unidos como eles. Era como se tivessem compartilhado vidas passadas, ou talvez fossem almas gêmeas destinadas a cruzar inúmeras jornadas juntas. Eles não eram apenas irmãos de sangue, mas almas que se reconheciam de um tempo antes do tempo.

Juntos, desbravavam os segredos daquele lugar encantado. Brincavam nos campos de flores, desvendavam os mistérios da floresta, e compartilhavam sonhos sob o céu estrelado. Suas risadas ecoavam pelos vales, e seus passos deixavam marcas indeléveis na terra que os acolhia.

Anori era a âncora, a presença sólida que emanava tranquilidade. Narai, por sua vez, era o arco-íris após a chuva, sempre trazendo cores e alegria aonde quer que fosse. Eles eram uma história viva, uma narrativa que se desenrolava em cada olhar cúmplice, em cada abraço apertado.

Os anos passaram como rios em movimento, mas a ligação entre Anori e Narai permaneceu inabalável. Suas vidas entrelaçadas eram um testemunho de amor verdadeiro, uma lição para todos aqueles que tinham o privilégio de cruzar seus caminhos. E, assim, eles continuaram a desbravar os horizontes daquele lugar mágico, carregando consigo a eternidade de um laço que transcendia o tempo e o espaço.

Em uma daquelas manhãs de verão, naqueles tempos, os dois estavam sentadas ali no fundo do quintal, apenas observando os pássaros, quando Anori perguntou:

– Narai, o que é um jaburu? Narai pensou um pouco e logo respondeu: – Jaburu... Jaburu é uma ave pernalta, de longo bico. Anori não gostou nada da explicação, pois no dia anterior a vizinha a havia chamado de jaburu, mas continuou o interrogatório: – Narai, o que é um jabuticabal? Narai sabendo deste ritual do irmão de perguntar sem parar até que se esgotassem todas as possibilidades, mandou: – Anori, jabuticabal é um bosque de jabuticabeiras, e jabuticabeira é a árvore que dá jabuticabas e jabuticabas são os frutos das jabuticabeiras. Anori dando-se por satisfeito calou-se. E então, um silêncio profundo envolveu sua alma. Seus olhos permaneceram fixos no firmamento, contemplando as nuvens que flutuavam no vasto céu azul, navegando em um voo pausado e suave. Como um alquimista do éter, ele assistia enquanto aquelas massas etéreas se transformavam em seres de sonho: dragões majestosos alçando voo, coelhos brincando em uma coreografia invisível, cabras graciosas saltitando pelas alturas, como se esculpidas em fios de algodão. Nesse momento, ele era um espectador das maravilhas cósmicas, um observador privilegiado das artes celestiais. O tempo parecia dilatar-se, e ele se perdia nas formas que emergiam e se desfaziam nas espirais de vapor. Cada nuvem era uma página em branco onde a imaginação do universo escrevia suas histórias efêmeras. Horas poderiam ter passado ou um instante apenas, pois o tempo se tornara uma abstração naquele instante de comunhão com o divino. Ele se sentia como se tivesse asas, apto a alçar voo e, num toque mágico, roçar os contornos das nuvens que pareciam feitas de pensamentos. A realidade do solo se desvanecia, e ele se tornava um fragmento do próprio céu, flutuando entre o mundo tangível e o reino dos sonhos. Ali, sob o sol que aquecia sua pele e as nuvens que sussurravam seus segredos, ele encontrava um lugar de transcendência. Era uma dança silenciosa com o universo, uma prece que não precisava de palavras. Ele se tornara uma parte do todo, um elo efêmero na corrente interminável da existência. E enquanto sua visão se misturava com as brumas celestiais, ele sabia que aquilo era um instante eterno, um vislumbre da eternidade que reside nos espaços entre as estrelas.

Nesse ápice da contemplação, quando ele se fundia com o éter, um boi manso surgiu como um espectro do mundo terreno e delicadamente tocou suas orelhas com sua língua áspera. O toque da realidade, suave como um sussurro da natureza, interrompeu o transe. Suas pálpebras pesadas se abriram e ele emergiu do reino dos sonhos. Os olhos que antes beijavam as nuvens com reverência agora encaravam o mundo, atônitos. Aquele toque, embora brusco, havia sido um lembrete gentil de que, por mais próximos que estejamos dos céus, somos seres finitos, ancorados na Terra. Um boi, um simples boi, havia rompido a fronteira entre o etéreo e o palpável. E como se uma magia se quebrasse, ele se ergueu abruptamente, despertando de um sonho dentro de um sonho. A surpresa rapidamente cedeu lugar ao entendimento e uma dose de humor. Ele e o boi trocaram olhares, ambos intrusos no reino um do outro. Em um instante, eles compartilharam um entendimento silencioso, um elo entre duas almas que habitavam diferentes mundos, mas que se encontraram brevemente naquele instante singular. O boi, com um balançar cadenciado, seguiu o seu caminho como se nada tivesse acontecido, enquanto ele, ainda sentindo as carícias ásperas em suas orelhas, soube que era hora de retornar à realidade. As asas imaginárias recolhidas, ele e o boi se despediram com um olhar de cumplicidade, um encontro que os transformara, ainda que por um breve momento. E então, com o coração acelerado e a mente repleta de lembranças oníricas, eles partiram, cada um seguindo o seu destino, mas carregando consigo a memória daquele encontro fugaz entre o divino e o terreno.

Uma nova manhã de verão desabrochava como uma promessa. O galo cantara a sua melodia, ecoando por entre as colinas, e a aurora pintava o céu com pinceladas douradas. O dia emergia com a promessa de um espetáculo majestoso, e os dois irmãos se preparavam para mais um capítulo desse poema cotidiano. O sol estava prestes a beijar a terra com seus raios cálidos, iluminando cada recanto do lugar que eles chamavam de lar. As oportunidades dançavam no horizonte, esperando para serem descobertas. Havia um mundo de possibilidades à espera, e Anori e Narai, unidos por um vínculo inquebrável, estavam prontos para explorá-lo.

No entanto, a realidade do momento trouxe uma calmaria estranha. As manhãs sempre foram sinônimo de renovação, mas essa manhã tinha um tom diferente. A mesa estava preparada, os aromas convidativos flutuavam pelo ar, mas havia uma lacuna, um vazio inesperado. Anori não havia se erguido. O silêncio permeava o lugar, um silêncio que falava mais alto do que qualquer palavra.

A preocupação tingiu o ambiente, e logo os gritos romperam a serenidade. O eco das vozes encheu o espaço, um lamento que reverberava entre as paredes que testemunharam tantos momentos de alegria. A manhã que se prometia luminosa e cheia de vida se transformara num cenário de dor e desconcerto. O sol, que nasceu sem se importar com as tragédias humanas, continuava a subir, derramando sua luz sobre a paisagem como um lembrete persistente da passagem implacável do tempo. O luar, que muitas vezes servira como conforto nas horas escuras, estava ausente, como se o universo inteiro compartilhasse o luto. As palavras eram inúteis naquele momento, e o sol persistente e o luar delicado pareciam pouco relevantes em face da tragédia. Mas, em algum lugar no âmago daquela tristeza, permanecia a lembrança de que, apesar das reviravoltas da vida, as constantes celestiais permaneciam inalteradas. Os raios solares continuariam a iluminar os dias, e o luar ainda enfeitaria as noites, como um abraço cósmico para a humanidade enlutada.

E assim, mesmo quando a vida pareceu quebrar-se em fragmentos, a natureza prosseguiria em sua dança eterna, lembrando a todos que o ciclo da existência persiste, apesar das tempestades que possam surgir. Cabe aos que restam enfrentar as sombras e abraçar a luz que continua a brilhar, lembrando que, apesar de tudo, a jornada deve continuar.

Ah, uma nova estrelinha no céu começou a brilhar.


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