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LITERATURA

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Segundo título publicado pelo autor.
Ficha técnica
Ano Primeira Edição: 2009.
Editora: CBJE / RJ.
Categoria: Poesia.
Idiomas: Português e Espanhol.
Coordenação Editorial: Gláucia Helena.
Produção Gráfica: Alexandre Campos.
Revisão: Mirna Vargas Munaier e Mariane Silva Dias.
 
Versão Espanhol: Benedito Silva


 

O Soneto

Desejei compor um poema imprudente.
Comecei a delinear na folha em branco
Palavras em folhagem transparente
Que tomaram forma de orvalho em pranto.

Desejei desobedecer à regra,
Instituir uma tropa indisciplinada,
Não dar teto a sentimentos de pedra,
Nem mesmo ouvir a paz equilibrada.

Desejei, mas não consegui compor.
De versos em versos metrificados
Por decassílabos denominados,

Entre versos com rimas alternadas,
Nasceu, com a imprudência já cantada,
Não um poemeto, mas sim um Soneto!

El soneto

Deseé componer un poema imprudente.
Empecé a delinear en el folio blanco
Palabras en follaje transparente
Que tomaron forma de rocío en llanto.

Deseé desobedecer la regla, 
Instituir una tropa indisciplinada,
No darles techo a sentimientos de piedra,
Ni aún oír la paz equilibrada.

Deseé, pero no logré componer.
De versos en versos metrificados
Por decasílabos denominados,

¡Entre versos con rimas alternadas,
Nació, con la imprudencia ya cantada,
No un poemeto, sino un Soneto!

Texto Crítico / Prefácio

“Só com olhos de poeta é possível ver...”

Conheci Benedito César inicialmente como pesquisador. Pude notar, desde o início do trabalho que, juntos, desenvolvemos, que era um cientista atento e preocupado, com excelente domínio linguístico e teórico. Contudo, ainda não conhecia inteiramente o intelectual Benedito. Percebi depois que o trabalho acadêmico era, nos dizeres drummondianos, apenas uma face “das outras sete” que Benedito tinha. Na realidade, descobri-o poeta, transfigurado em eu-líricos maduros, prontos, acostumados a observar a vida com olhos sinceros e límpidos, em uma quase proximidade poética com os olhares atentos do pesquisador. Digo quase proximidade poética, pois é o próprio poeta que diz: “só com olhos de poeta é possível ver...” Em suas Nuanças Poéticas, Benedito percorre diversas veredas da alma humana. O discurso poético parte de considerações individuais, vividas pelo eu-lírico, para discutir aquilo que é universal (aqui, uso os dizeres de Chauí), neste “mapa de sonhos” que é o homem, com todos os seus medos, angústias, buscas, sonhos, passados, desejos e mundos. O poeta, em suas Nuanças, descobre-se às vezes com certa mineiridade peculiar, como nos sinestésicos versos em que descreve os “deslizes das sabiás” nas tardes do cotidiano. Tal mineiridade também é percebida, por exemplo, em “Licença poética”, poema em que a poesia se funde no cotidiano das amizades. A observação da natureza também se faz “mineiramente”, na descrição da ação das formigas em versos marcados por certa aliteração. A observação límpida do trabalho poético também é encontrada em poemas presentes em Nuanças. O belo “O soneto” é um excelente exemplo dessa metapoesia, em que o momento único da produção do artista se configura no próprio objeto da obra, em implícita referência – consciente ou inconsciente, não importa – a alguns detalhes da obra drummondiana. Explico-me: quando li versos como “desejei compor um poema imprudente”, lembrei-me, obrigatoriamente, de “passei uma hora pensando um verso”. Mais uma vez, eis o espírito brusco da observação poético-mineira transpassando o ato de se fazer poesia. Aliás: o fazer poético, nesses termos, já é poesia! “Metáfora” e “O verbo” também são exemplos dessa observação do fazer poético. No primeiro, há um caráter de perplexidade frente às transformações de sentido dadas à palavra pelos caminhos multicoloridos do fazer poético. No segundo, a palavra é vista como criação do ser humano. Assim, a arma do poeta – a palavra – é justamente a matéria-prima do homem. Novamente, a relação homem / poesia! Mineiridade e metapoesia são dois sustentáculos do tripé de Nuanças. O outro elemento da tríade poética é o trato com o tempo. Passado, presente e futuro se encaixam na construção do ser. O que seria desse eu-lírico se não fosse o passado, que o leva a observar a realidade presente e a sonhar com a construção do futuro? É o que se observa em “Cidadania”. O poeta, em discurso quase que realista, busca um futuro de respeito e satisfação.

O poeta, às vezes, se torna valente, impermeado de bravura, ao encarar os sonhos de um futuro mais tranquilo. Afirma: “Não abrirei mão de arrancar as estacas, / de ampliar horizontes e o que se faça, / para enraizar e frutificar sonhos!”. Às vezes, dá pinceladas eróticas, brincando com o verbo “comer” e seus correlatos “devorar”, “embeber” e “degustar”. O presente também é feito de paixão! Nessa relação com o tempo, há que se destacar um tema também recorrente na obra poética de Benedito César: o trato com o rompimento sentimental e com o próprio eu.

O poeta coloca-se frente a um processo de rompimento, conclamando, quase sempre, um passado “trazido na algibeira”. Contudo, não há dor nem desespero: há, sim, uma aceitação natural do fim (que se configura no presente), com um tempero de esperança no ar (que, por sua vez, é o desejo de futuro). São muitos os poemas que se compõem nessa linha. “Espelho quebrado”, “É para a frente que se anda” e “Sobre nós” são alguns deles. Além do rompimento, a busca de autoconhecimento se faz também na relação temporal. As estações naturais definem o processo heraclíteo vivido pelo poeta: um homem não atravessa duas vezes o mesmo rio! Em “Solicitude”, a idealização de uma vida baseada no futuro do presente. Brindar o silêncio e ser chuva no sertão – esse é o sonho. O poeta também tira do embornal certas “Palavras tortuosas”, em que apresenta os problemas de uma “fermentação verbal”, ornados com linhas desenhadas aleatoriamente, quase que de forma infantil, talvez mostrando os caminhos incertos das palavras que “se fermentam”. Gradualmente, em forma de nuanças, Benedito nos presenteia, gentilmente, com essa obra, marcada, sobretudo, pela bravura de um paradoxal guerreiro pacífico, cuja única arma é a palavra.

 

 

Gil Roberto Costa Negreiros

Doutor em Língua Portuguesa / PUC-SP

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